Nábia e o Cristianismo
Rio Nabão
Quando o cristianismo
chega a uma determinada região e lá se estabelece, sua intenção é apagar os
resquícios das religiões pagãs; isso não aconteceu apenas na Iberia, como em
todos os locais em que ele se estabeleceu. Porém tal objetivo não é assim tão
fácil, pois a fé não está apenas no espaço, mas na mentalidade das pessoas.
"Poderiam
multiplicar-se os exemplos desta persistência, embora desvanecida, do antigo
culto das águas nas tradições populares. As práticas rituais primitivas destas
devoções religiosas ainda no século VI da era cristã eram conservadas
integralmente entre muitas populações da Península, apesar da expansão do
Cristianismo, pois sabemos, por exemplo, que S Martinho de Durine, na sua
evangelização do território bracáreas condenava as superstições heréticas,
arraigadas no povo, que continuava mantendo a crenças nas ninfas e noutras
divindades do Panteão romano e dos anteriores cultos indígenas " (SANTOS
JUNIOR, J.R & CARDOZO, Mário, 1953, p.57)
O culto a Nábia foi
combatido por diversos lados. Era praxe nos montes construir templos cristãos
sobre seus lugares de devoção, esconder os resquícios por meio da
cristianização do espaço, fatos que a arqueologia traria à tona em seus achados;
aras votivas foram encontradas na igreja São João do Campo e há possibilidade
de que uma capela dedicada à virgem tenha sido construída em cima de um altar
de devoção à Nábia em Penafiel.
Nas águas é que surge a
figura da santa, Santa Iria de Tomar:
"Segundo a lenda de Santa Iria, em 653,
quando a jovem professa rezava próximo de Tomar, numa capela situada na margem
do Nabão, terá sido morta e lançada ao rio, vindo o corpo a navegar até
Santarém. Tratar-se-ia de uma freira do convento beneditino fundado em 640 por
S. Frutuoso, bispo de Braga, na margem do Nabão? Ou, de facto, nunca passara de
uma lenda incomprovada?
A poucos quilómetros de
Tomar, e não longe do rio, há uma povoação que tomou o nome de uma santa,
igualmente assassinada e atirada ao Nabão. Trata-se de Santa Cita, uma jovem
freira, de época muito anterior à da outra mártir.
Poder-se-ia aceitar,
inquestionavelmente, a existência destas duas virgens do martirológio cristão,
como santas portuguesas, se não fossem as suas homónimas de regiões distantes
com semelhante percurso hagiográfico. Pululam as santas Irena ou Irina,
bizantina, grega e romana. Se atentarmos na Vitae de Santa Irina de Magedon,
nas Balcãs, que a situa no ano de 305 e aponta o seu culto para o dia 5 de
Abril (e aqui saliente-se a curiosa coincidência com a data do culto a Nabia,
inscrita na ara de Marecos), constatamos que a santa, depois de torturada, é
fechada num túmulo, e ao cabo de uns dias, quando o abrem, o corpo terá
desaparecido, o que se torna uma situação muito idêntica ao da Iria
peninsular!"(SOARES, Lina Maria, 2010, p.214)
A lenda da santa é a
tomada do Rio Nabão pelo Cristianismo, é a tentativa de apagar os cultos das
águas à Nábia, é tornar as águas culto à nova fé. Parte superior do
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De qualquer forma,
as tentativas de apagar os cultos à Nábia não deram de todo certo, ou nem eu,
nem outros, estaríamos falando dela hoje, pois nada na história da humanidade
se apaga, só precisa ser relembrado; essa foi a idéia ao escrever sobre Nábia, pois
ela ainda vive.
Fontes:
OLIVARES PEDREÑO, Juan
Carlos - Los Dioses de la Hispânia Céltica– Madrid : Real Academia de la
Historia : Universidad de Alicante, 2002.
SANTOS JUNIOR, J.R & CARDOZO, Mário - Ex- Votos às Ninfas em Portugal. Salamanca: Zephyrus - Revista de prehistoria y arqueología Vol. IV, 1953
SOARES, Lina Maria - Da Scallabis Romana a Sactarem:
Espaços, Gentes e Lendas in: Espaços e Paisagens. Antiguidade Clássica e
Heranças Contemporâneas. Vol. 3. História, Arqueologia e Arte, org. OLIVEIRA,
Francisco et. all. Coimbra: Associação Portuguesa de Estudos Clássicos - APEC,
2010.