sexta-feira, 21 de julho de 2017

Deus Vaélico – A Magia na Iniciação Guerreira na Ibéria Celta




Este texto fez parte, inicialmente, da minha palestra na Convenção de Bruxos e Magos de Paranapiacaba, esse ano, na sala Druídica. E agora o exponho com pequenos acréscimos aqui.
A Península Ibérica, antes da chegada dos romanos, era habitada por diversas tribos, cada uma com suas particularidades, culturas e deuses. A maior parte do conhecimento que temos dessas tribos não é por nenhuma forma de registro escrito por elas mesmas; podemos entende-las pelos achados arqueológicos e escritos do dominador romano, e posteriormente com o folclore popular e a cristianização dos costumes. Então este é um trabalho longo e muitas vezes inconclusivo, formando um mosaico de possibilidades.
O deus que tratamos nesse momento foi cultuado pela tribo dos Vetões, de cultura celta, que habitou a região que hoje compreende as regiões de Castilha e León, Extremadura e o leste de Portugal. O culto a esse deus tem suas marcas na região de Ávila (que também foi o lugar de maior concentração dos vetões), encontradas no município de Candelada, junto a uma necrópole com marcas de culto a Vaélico, e também em uma ermida de uma localidade chamada Postoloboso, hoje dedicada a um santo cuja principal função é curar cães raivosos.
Esses achados nos trouxeram algumas marcas de quem seria esse deus: as aras votivas de Candelada apontam para um deus relacionado à cura e o vaticínio; porém essas mesmas aras nos mostram um culto mais recente, da época romana, em que Vaélico, por motivos óbvios de controle e dominação, havia perdido suas principais características.
Sabe-se que as confrarias guerreiras da Ibéria, tanto calaicas-lusitanas quanto vetãs, possuíam uma iniciação guerreira, e que os membros dessas confrarias tinham o costume de passar uivando e assustando os acampamentos romanos. Portanto, os estudos para entender Vaélico e seu papel na Ibéria Celta, anterior à chegada dos romanos, não podem deixar de passar pelo simbolismo do lobo e os atos iniciáticos dessas confrarias.
Qual é a relação de Vaélico com os lobos? A principal é que seu nome diz exatamente “Deus Lobo” ou “O Ululante”. O lobo é um animal que teve sua imagem relacionada pelos celtas e outras tribos indo-européias à figura dos deuses guerreiros, ao Submundo ou Outro Mundo, à noite escura, à magia e transmutação. Portanto fica-nos muito claro que Vaélico, mais que apenas um deus da cura e oracular, é o deus do Outro Mundo celta dos Vetões, aquele que conduz os guerreiros ao descanso final, o deus da magia e transmutação, e o deus do furor da batalha, aquele que reúne a alcatéia e a mantém unida, portanto o deus da iniciação guerreira.
Mas o que de fato acontecia nas iniciações guerreiras dessas confrarias? O que se sabe é que esses guerreiros iniciados ganhavam uma posição de elite em relação aos outros guerreiros, que eles se ausentavam por muito tempo do resto da tribo para passarem por essa iniciação que, ao que tudo indica, incluía imersões em saunas, ervas, estados alterados de consciência; um verdadeiro processo mágico em que o homem incorporava em si o furor do lobo, a licantropia.
Sauna iniciática vettona de Ulaca. Solosancho, Ávila.

A partir desse momento passavam a viver vidas mais ascéticas, com pouca comida, enfrentando as adversidades do clima, e assim endurecendo o corpo físico; também passavam a vestir cores escuras, relacionadas à noite, bem como usar objetos relacionados aos lobos, como diversas fíbulas encontradas nos achados arqueológicos de Numância (região à margem do Rio D’Ouro), e

Fíbula celtibérica de cabeça de Lobo. Garray (Soria)
um provável uso de máscaras de lobo, peles e dentes. E passavam a fazer parte de um alto escalão de guerreiros, guerreiros especiais.

Guerreiros com máscaras de lobo frente a um cadáver de outro guerreiro ao que devoram os abutres. Estela de Zurita
Se voltarmos os nossos olhos para os outros povos celtas, encontraremos lendas sobre confrarias guerreiras de alto escalão, como os Fianna e os Cavaleiros da Távola Redonda. Eram guerreiros iniciados em mistérios aos quais os guerreiros comuns ignoravam, o que nos leva os aproximar aos guerreiros de Vaélico. 
Para finalizar, esses guerreiros iniciados, os quais podemos chamar de “guerreiros mágicos”, nos fazem levantar algumas hipóteses filosóficas: se Vaélico é o deus do Outro Mundo, que no mundo celta está relacionado às águas, o passado e aos antepassados, podemos pensar que o verdadeiro guerreiro mágico encontrava-se com Vaélico entrando profundamente em seu inconsciente, conhecendo profundamente seus medos, vencendo-os e conhecendo suas potencialidades e indo muito além delas. É um homem que alcançou a Soberania, pois se conhece profundamente. Sabe fazer bom uso dos seus dons e da sua fúria, usando-a com propósito e direcionamento, reconhecendo a necessidade do bem da Tribo, como é o caso na alcatéia de lobo. Ele morreu para o antigo homem e renasceu sob as águas e a dedicação ao Deus Lobo.
Hoje vivemos em uma sociedade diferente da dos Vetões, dos antigos celtas, mas nem por isso deixamos de ter nossas batalhas; elas são simplesmente diferentes, porém encontrar-se com os ensinamentos de Vaélico ainda é muito importante. Nas nossas batalhas ainda precisamos conhecer profundamente a nós mesmos, saber quem realmente somos, onde começa o outro e termina o eu. Precisamos do ensinamento do lobo que nos dá a energia necessária para lutar pelas nossas crenças e ideais, como também o pensamento do bem maior, do lobo que não trabalha somente para si, mas que pensa também na sobrevivência da Tribo, porque sabe que seus atos ressoam em um âmbito maior. E para tudo isso não é demais dizer que podemos ser um guerreiro soberano de Vaélico, o qual guarda a honra, a lealdade e os mistérios da vida e morte em todos os âmbitos de sua existência, ou podemos ser soldados, que seguem sem consciência, obedecendo ordens alheias apenas pelo ato de sobreviver ou pelo seu interesse momentâneo.

Fontes Bibliográficas:    
ALMAGRO-GORBEA, Martín & SANCHÍS, Jesús R.Alvarez – La ‘Sauna’ de Ulaca: Saunas y Baños Iniciáticos en el Mundo Céltico. Cuadernos de arqueología de la Universidad de Navarra, Nº 1, págs. 177-254. Navarra, 1993.
GARCÍA, Gonzalo Rodrígues – La Figura del Lobo y la Tradición Guerreira de la Hispania Céltica. Toledo, 2013;
MORENO, Eduardo Sánchez – Aproximación a la Religión de los Vetones: Dioses, Ritos y Santuarios.  Studia Zamorensia, Nº. 4,  págs. 115-147. Zamora, 1997.





sexta-feira, 23 de junho de 2017

Solstício de Inverno: A criança nasceu no mundo moderno.


Para os povos antigos as estações solares eram de suma importância, afinal elas estavam relacionadas diretamente ao ciclo da colheita e o bem-estar do rebanho, por isso o culto ao sol era totalmente significativo e vivido.
Hoje já não vivemos essa realidade,  a sociedade moderna, nem mesmo aqueles que plantam e colhem, pois é mais lucro, do que ligação real e sacra com o alimento, está ligada a realidade física e ritual dos ciclos solares.
Então qual é a importância real da chegada do solstício de inverno para o paganismo moderno?
Pensando na simbologia da mãe que perde seu filho pelas forças obscuras e invisíveis e o tem de volta após sua intensa busca, trazendo a verdade à tona, que ela não o matou, foi lhe tirado, ela a deusa égua, a força da soberania da terra, que as forças também brotam do mundo mais além; podemos entender que esse retorno solar, é o retorno do nosso conhecimento profundo sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca, após o mergulho no interior do Samhain, na reflexão profunda do nosso passado e das heranças familiares,  a luz solar que retorna traz a claridade sobre o que somos, qual é a nossa verdade, a nossa busca e o que sustenta a nossa soberania.
E, a partir disso estaremos prontos para no fim do inverno, quando a criança solar já estiver maior, seguir essa força soberana que move as nossas vidas, plantar a nossa parte, soando assim a nossa canção com o todo harmoniosamente.