segunda-feira, 28 de setembro de 2020

CALE – A DEUSA MÃE DOS GALAICOS

 

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As tribos, na Antiguidade, costumavam ter um deus ou deusa fundadora, os mais velhos, aqueles que deram a origem a elas. Os galaicos não seriam diferentes. Os nomes de Portugal e Galícia levantaram todas as hipóteses a esse respeito, da deusa-mãe, a mais velha dos galaicos; por mais que haja duas teorias sobre a origem dos nomes dos dois lugares, elas por si só, a meu ver, conversam entre si.

A primeira, na qual esse texto se baseia fortemente, é a de que Portugal seria Porto de Cale, e a Galícia, antigamente, Callecia, viria dos filhos de Cale. A segunda teoria não descarta a primeira, pelo fato de se basear que o termo cale, seria “pedra dura”, devido ao terreno granítico desses lugares e, como mostrarei a seguir, a pedra dura, a terra e suas rochas, são o reino da deusa Cale.

O folclore é um dos lugares em que as memórias de muitos deuses antigos ficaram, sejam eles tornando-se em santos ou em seres encantados, estes muitas vezes com teores maléficos, associados ao diabo. É no folclore galego e do norte de Portugal que iremos encontrar a figura da nossa deusa em questão, extremamente elaborada, com várias matizes. Então quem é Cale no folclore?

É ela a Moira velha, que carrega grandes pedras por todo o território que antes compreendeu a Callecia. Ela é a Meiga que lança feitiços e causa terror na comunidade. Ela é o que de mais antigo e pulsante prevaleceu dentro do folclore dos antigos celtas da Península Ibérica.

As Moiras são seres de imenso encanto e terror na Galícia e norte de Portugal. Elas trazem em suas aparições duas formas: em uma delas aparecem como a moça bela ruiva ou loira, que penteia os cabelos e pede para ser desencantada por meio de um desafio de coragem e honra; e na segunda aparecem como uma velha, a qual carrega as pedras para construção de megalitos, junto com um fuso ou uma criança, cesta e cântaro de leite, e ela também cria gado e o alimenta.

Centraremos primeiro na segunda aparição, fazendo uma ligação da Cale ibérica com a deusa Cailleach gaélica. Esta também era carregadora de pedras e também tinha seu gado. Tem relação com as montanhas, como nossa Cale em forma de Moira, tem relação com as covas e os dólmens funerários, com as entranhas das montanhas, onde como a Rainha Lupa,( http://ocantodasuindara.blogspot.com/search?updated-max=2016-08-15T13:16:00-07:00&max-results=7 na época ainda tinha muitas indagações e ainda não tinha descoberto os fatos de agora), mantém seu castelo e seus tesouros.

Cale aparece no antigo território galaico carregando imensas pedras na cabeça ao mesmo tempo que com seu fuso tece fios ou um vestido, em algumas lendas, ou em outros momentos carrega uma criança ou uma cesta, e também existem relatos em que carrega um cântaro onde bate o leite. Estas pedras que ela carrega serviram para construir dolmens, menires e paredes de diversos castros. As pedras também criaram assentos que são chamados de bancos das moiras.

Ela ainda é possuidora de riquezas em seu castelo subterrâneo. Dizem que ela pode dar ouro aqueles que demonstrarem coragem e honra. Ela é uma exímia criadora de gado; conta as lendas que ela alimenta e engorda até mesmo gado que não é seu, mas em troca disso pede que lhe tragam bons pedaços. A quebra do acordo pode levar a morte daquele que não cumprir.

Relatam que ela pode se tornar invisível, e apenas com o olhar pode dominar e matar os humanos. E, em uma das lendas de Finisterra, ela se cansa de viver e cria um dólmen para ser enterrada.

Na primeira aparição, ela é uma jovem muito bela, que aparece penteando os cabelos e tecendo o fuso, em uma fonte d’água ou dólmen, pedindo para ser desencantada por um homem; se ele conseguir, receberá uma botija de ouro, porém para isso ele tem que não ter medo da sua verdadeira forma. Então a bela moça se transforma em uma imensa serpente, que às vezes se enrola no homem, e em outras com uma flor na boca que deve ser coletada, e o desencantador, nos dois feitos, não deve sentir medo.

A aparição como jovem, no entanto, ao meu ver, é a transição dela com uma deusa da primavera, levando em consideração que a serpente, na Ibéria, tem a ver com o retorno da primavera, e se formos comparar com Escócia e Irlanda, no folclore destes, Cailleach troca as estações com Brighid, a deusa primaveril. Aqui temos essa troca da deusa velha, outonal e invernal, com a deusa jovem e primaveril, o desencanto dessa deusa, como a Brighid que é resgatada nas terras gaélicas. 

Diante de todos esses relatos, podemos considerar que Cale é uma deusa-mãe da terra, que carrega em sua figura o poder da vida, morte e magia. Ela é a deusa mais velha, a primeira, a que constrói a paisagem com suas pedras, guia o destino com seu fuso, alimenta os animais em suas terras, a criança que há de vir com seu leite, carrega os frutos da vida no seu cesto e o leite em seu cântaro. Ela também seduz homens para tê-los como seus servos, ao mesmo tempo que pode deixá-los ricos. Ela tem o poder de matar e encantar apenas com o olhar. Ela é a Meiga temida no norte da Ibéria. Ela é a Moira poderosa e encantadora. Aquela que foi jogada para o terror do folclore, quando o Cristianismo não a pode vencer.

Bibliografia:

IGREJAS, Luís Magarinhos. Sobre a Origem e Significado das Palavras Portugal e Galiza. Portal Galego de Língua. Galiza: 2005.

LLINARES, Maria del Mar. Mouros, Animas, Demonios – El Imaginario Popular Gallego. Editora Akal. Madrid: 1990.

ROMERO, Fernando Alonso. Las Moura Constructores de Megaliticos: Estudio Comparativo del Folklore Gallego Com el de Otras Comunidades Europeas.