segunda-feira, 1 de setembro de 2025

RODA DO ANO PARA NÁBIA


Setembro se inicia, ele é para mim um mês iniciático nos mistérios de Nábia, por isso trago uma nova proposta prática de sacerdócio e contato com ela. Desejando que aqueles que passarem junto comigo por essa jornada tragam em suas vidas, atos e corações toda transformação e pulsão que Nábia desperta.

Uma ária de Mareco coloca um festejo a Nábia no mês de abril, na entrada da primavera do Hemisfério Norte, essa ária remete ao período romano na antiga Callácia, onde o poderio dos deuses celtas já não é o mesmo e recebe a romanização e mescla com deuses romanos.

Nábia é uma das deusas de maior culto entre callaícos e lusitanos, e como Olivares Pedreño nos coloca, uma deusa polifuncional, é o que se nota quando a observamos mais a fundo. Portanto, suas características, ao pensarmos nos antigos festivais agrícolas e solares celtas, podem ser invocadas durante todo o ano dessa roda.

A proposta é trazer características de Nábia a serem trabalhadas em comunhão com os festivais, e em uma proposta de jornada meditativa com a deusa em cada um deles.

Eu sou extremamente politeísta, tendo um culto a deuses até mesmo fora do panteão celta, como hindus e afro-brasileiros, não misturando panteões, cada um tendo seu momento de dedicação, pois isso é respeitar a energia histórica, cultural e espiritual de povos e seus deuses. Nas minhas celebrações pessoais continuarei celebrando outros deuses celtas do meu culto, durante os festivais, como os gaélicos Óengus e Bríghid, vetões Vaélico e Ilurbeda, a lusitana Trebaruna, e obviamente os callaícos, Reue e Bandus, contudo aqui no blog apenas trarei os momentos de dedicação a Nábia.

A intenção é trazer as jornadas próximo dos festivais, olhando tanto para o sul, como norte do globo, então ao trazer o Equinócio de Primavera, trarei também o de Outono, girando pelo sul e norte. Eu continuarei seguindo a roda Sul nos meus ritos.

Roda Hemisfério Sul: Equinócio da Primavera ou Entroído

Antes de qualquer coisa, uma explicação do simbolismo do festival, o Equinócio é o retorno da primavera, é o momento em que a serpente sai de debaixo da terra, o que era velho já não existe, a porta do novo se abre, é o início de aquecimento real da terra. Por terras da antiga Callácia, no norte de Portugal e noroeste de Espanha, os festejos ainda hoje, da cultura popular, se dedicará a isso, com seus seres fantasiados mandando embora os espíritos do inverno e tocando para o despertar da primavera. E essa é a energia de Nábia que buscaremos nesse ritual, ela será a condutora do despertar primaveril em nós, nos trará os mistérios do submundo da serpente e da semente. A magia de transmutação e renascimento que existe na nossa psique, na nossa força vital, os tesouros que carregamos no nosso íntimo e Nábia deseja que descubramos, lapidamos e mostramos ao mundo.

Então, pense primeiramente em todos os planos, sonhos, sentimentos ou qualquer outra coisa que padrões velhos e desgastados vêm sufocando, pense que eles são frutos que caíram e estão germinando embaixo da terra, o inverno da alma apenas os levou para baixo por um tempo, às vezes não era possível você sustentá-los naquele momento, não tinha a água necessária para regar, o adubo, fertilizante adequado e sabiamente o inverno os levou para baixo da terra. Mas agora é o momento do despertar, é o momento do feitiço da serpente, ela desperta em você e em mim sua magia de eternidade, renovação e fertilidade.

A partir daqui trarei uma estrutura de preparo para contato com Nábia, que passará pela proteção do local, invocação, oferenda, jornada meditativa e agradecimento.

1° Passo — Limpeza de proteção do local

Essa limpeza não é propriamente física, será usado para ela, incenso ou vela, água e um punhal, pode ser faca ou espada também.

Pense que ela é um campo energético de proteção, que impulsiona e impede de entrar qualquer energia que não seja a necessária e invocada nesse contato com a deusa.

Primeiro passará com a água em volta do local, imaginando que águas de um rio cobre a si e o local, repetindo essas palavras ou outras que desejar:

Uma vez pelas chamas esse local está guardado,

Duas vezes pelas serpentes este local está selado,

Três vezes pelo escudo e pela lança este local está seguro.

Uma vez pelas águas está escondido do mal,

Duas vezes pela terra está firme.

Três vezes pelo céu recebe a magia dos deuses.

E passará com a chama em seguida, visualizando um círculo serpentino de fogo rodeando tudo, enquanto repete o mesmo verso.

E será a vez do punhal, enquanto percorre com ele, imagine uma densa floresta de árvores e espinhos, como se fosse uma parede intransponível, como as paredes dos castros, e repete os versos no processo.

Esses objetos devem ser mantidos como uma forma de altar para Nábia. Se usou incenso, invés de vela é importante que tenha a vela agora no altar.

2° Passo — Invocação e oferenda

Use essa invocação:

Na porta dos Castros,

Nas águas dos rios,

Na entrada do bosque,

Tu estás, Nábia Corona,

Permita-me que entre em seu reino,

Que mergulhe em suas águas,

Que entregue-me a sua sabedoria,

E receba suas dádivas.

És a rainha do outro mundo,

És a deusa da vida,

És a barqueira,

És a água da vida e da morte.

Permita-me que entre em seu reino!

Trago-lhe gentilmente meu presente e afeto.

E aqui entregue-lhe uma oferenda, pode ser de vinho, uva, ou outra bebida e fruta. Siga sua intuição. E diga:

Eu, seu nome, aqui estou, Nábia, para descobrir quem sou e o que brota da minha alma, a germinação que preciso para ir de encontro a mim, sanando-me, sanando as minhas relações com os outros e o mundo, peço sua guia.

Meditação Guiada

Sente-se de maneira confortável, diante da vela, da água e punhal. Feche os olhos e comece a respirar, levando todo o ar da sua barriga para os seus pulmões, o retendo por seis segundos e soltando lentamente em quatro, repita por nove vezes, permitindo que a cada respiração seu terceiro olho passe a enxergar a formação de um rio de águas claras, tranquilas, mas profundas, ao seu redor tudo é florido, visualize até o rio está totalmente em sua visão. E você mergulha nele, sem medo, permitindo afundar como um afogamento, em um abismo sem fim, você caí, caí sem nunca tocar o solo do rio. Até que sente uma força te puxando para cima, e o que antes era rio se torna em terra, você sobe, rasgando o ventre da terra, e está sentado diante de uma mulher loira, de vestido cheio de flores, em volta dela e de você começam a subir serpentes do interior da terra, que percorrem o seu corpo, o envolvendo, seus pulsos, suas pernas, tronco e pescoço, elas não apertam apenas envolvem. A mulher lhe sorrir e as serpentes apertam seu corpo, enquanto ela sorrir ainda mais, de trás dela vem uma criança, você quando criança, a sua criança te olha nos olhos e você a escuta sussurrar:

Qual é o seu sonho? O que você quer? O que deseja mais profundamente que nasça, renasça?

Fale com sua criança sem medo, ela te ajuda a encontrar as respostas, escute o tempo que precisar.

Enquanto você pensa nas respostas, com um cântaro de água, Nábia lava seus cabelos, suas mãos, pés e face. E senta bem próximo de você sorrindo, esperando que termine. Quando sentir que terminou, abrace Nábia, agradeça, abrace também a sua criança, até que ela desapareça dos seus braços. E nesse momento Nábia lhe fala ou lhe dar algo que te ajudará a fazer brotar o que deseja. Preste a atenção. E quando pronto respire profundamente, voltando para si e abrindo os olhos.

Deixo um vídeo que gravei e subi para YouTube com a jornada, para quem preferir a ouvi-la ao fazer a jornada:

https://youtu.be/0sXtbKOqcrw?si=d5QUw9o-3uaXw0ks

Agradecimento e despedida

Eu, seu nome, te agradeço Nábia, e me despeço, levarei comigo sua benção e o que é do seu reino, que contigo fique.


Roda Hemisfério Norte: Equinócio de Outono – A Última Colheita

O Equinócio de Outono é a última colheita, morando em um país tropical, como o Brasil, temos florescimento o ano todo, contudo não deixa de ser o fechamento do verão, as águas de março cobrem a cidade que vivo, São Paulo, anunciando o tempo de seca que virá, portanto é o que levaremos para o inverno, seja as últimas águas fertilizadoras ou os últimos frutos.

Então, aqui, se deve pensar: O que nos trouxe até aqui? O que nos fez ser o que somos hoje? Estamos nutridos com a nossa verdadeira água e colhemos os frutos que, realmente, plantamos? Gostamos do que guardamos? Isso nos sustentará quando o inverno chegar? E como a maioria de nós não somos mais agricultores, não é do inverno climático que estou falando. Estou falando dos momentos difíceis da vida, quando tudo parece escuro, seco e frio. Aquilo que viemos plantando em todas as esferas da nossa vida é capaz de nos sustentar? É capaz de nos manter em pé? Você gosta do que você plantou? É o ideal para suas necessidades? Se a sua resposta é sim, é hora de agradecer. Se não, é hora de pensar o que você quer plantar a partir de agora.

A serpente começa a descida para o interior da terra, é o momento de descer com ela para o seu interior, seu inconsciente profundo, hora de sabermos se, realmente, estamos tendo os frutos adequados para nossa curta jornada na terra.

A estrutura de contato com Nábia se manterá durante toda roda anual, pois algo que se repete, cria força e intimidade. Mudará apenas a jornada meditativa, porque cada festival nos traz um simbolismo diferente a ser trabalhado.

1° Passo — Limpeza de proteção do local

Essa limpeza não é propriamente física, será usado para ela, incenso ou vela, água e um punhal, pode ser faca ou espada também.

Pense que ela é um campo energético de proteção, que impulsiona e impede de entrar qualquer energia que não seja a necessária e invocada nesse contato com a deusa.

Primeiro passará com a água em volta do local, imaginando que águas de um rio cobre a si e o local, repetindo essas palavras ou outras que desejar:

Uma vez pelas chamas esse local está guardado,

Duas vezes pelas serpentes este local está selado,

Três vezes pelo escudo e pela lança este local está seguro.

Uma vez pelas águas está escondido do mal,

Duas vezes pela terra está firme.

Três vezes pelo céu recebe a magia dos deuses.

E passará com a chama em seguida, visualizando um círculo serpentino de fogo rodeando tudo, enquanto repete o mesmo verso.

E será a vez do punhal, enquanto percorre com ele, imagine uma densa floresta de árvores e espinhos, como se fosse uma parede intransponível, como as paredes dos castros, e repete os versos no processo.

Esses objetos devem ser mantidos como uma forma de altar para Nábia. Se usou incenso, invés de vela é importante que tenha a vela agora no altar.

2° Passo — Invocação e oferenda

Use essa invocação:

Na porta dos Castros,

Nas águas dos rios,

Na entrada do bosque,

Tu estás, Nábia Corona,

Permita-me que entre em seu reino,

Que mergulhe em suas águas,

Que entregue-me a sua sabedoria,

E receba suas dádivas.

És a rainha do outro mundo,

És a deusa da vida,

És a barqueira,

És a água da vida e da morte.

Permita-me que entre em seu reino!

Trago-lhe gentilmente meu presente e afeto.

E aqui entregue-lhe uma oferenda, pode ser de vinho, uva, ou outra bebida e fruta. Siga sua intuição. E diga:

Eu, seu nome, aqui estou, Nábia, para que me mostre se tenho plantado e colhido o que me faz mais forte, autêntico, honrado, corajoso e soberano.

Meditação Guiada:

Sente-se de maneira confortável, diante da vela, da água e punhal. Feche os olhos e comece a respirar, levando todo o ar da sua barriga para os seus pulmões, o retendo por seis segundos e soltando lentamente em quatro, repita por nove vezes, permitindo que a cada respiração seu terceiro olho passe a enxergar um campo com restos de frutos caídos no chão, um fio de água corre, fraco e com pouca extensão. Você deita no campo, e serpentes passam por cima de você, te envolvem e te puxam para debaixo da terra, e você afunda por um túnel sem fim, até que se chega em um chão duro de pedra, um círculo de fogo clareia o lugar e uma mulher loira, com alguns fios brancos, segura um imenso tear, ela te sorrir, e pede que você escolha um dos fios e você está diante da sua vida, tudo que você plantou e colheu até agora. Te agrada observar? Analise o tempo que for preciso.

A mulher te sorrir, o tear já não existe e ela vem até você e coloca no seu pescoço uma joia, dizendo que aquele é seu verdadeiro tesouro, observe o formato e a cor, e a escute falar sobre seu tesouro.

A agradeça e se despesa. Quando sentir preparado pode abrir os olhos.

Deixo um vídeo que gravei e subi para YouTube com a jornada, para quem preferir a ouvi-la ao fazer.

https://youtu.be/NBfICBrbRmg?si=4vczwX8G-Bp3GrBR

Agradecimento e despedida

Eu, seu nome, te agradeço Nábia, e me despeço, levarei comigo sua benção e o que é do seu reino, que contigo fique.


Até final de outubro!


segunda-feira, 7 de julho de 2025

Reue – O Cavaleiro das Nuvens e das Planícies distantes.


 

O verão chega na Península Ibérica e com ele a incidência de raios vindo das nuvens. No norte de Portugal, Galiza e Astúrias, também Cantábria, longe das explicações geográficas climáticas, mas no folclore se tem um nome ou vários nomes para identificar o mesmo ser causador desse fenômeno, o nubeiro, o granizero, renuvero, Xuan Cabrito.

Quem é ele afinal? É um ser imenso ou muito pequeno, que vem das montanhas, das planícies distantes, montado nas nuvens como cavalos, lançando raios, com barulhos estrondosos, e tempestades veraneias. Dizem que seu corpo é velho e enrugado, as orelhas são pontudas e seus olhos são chamas acesas.

Esse ser com aparência assustadora e diabólica, costuma fertilizar a terra com suas águas, fica feliz em ver seu trabalho e uma vez ou outra desce das suas nuvens para contemplá-lo, para uma visita aos humanos, também há quem conte que vez ou outra seus cavalos de nuvem caiem na terra e ele os vem buscar. A questão toda está que é nesse momento que a amizade ou a inimizade entre ele e os humanos são travadas. Se encontrar um agricultor e esse lhe for grato e aceitar hospedá-lo, fará da sua plantação a mais abundante e fértil, do contrário, se o desrespeitarem, destruirá sua plantação com suas águas e raios.

               Nuberu de Ardisana – Astúrias

 Sabemos que deuses e deusas com a conquista cristã do mundo pagão ganharam dois fins: o altar dos santos ou as figuras assustadoras do folclore. Se hoje, a antiga Callácia o chamam de Nubeiro, em passados remotos, antes da dominação romana o chamaram de Reue, o senhor da Serra do Larouco, localizada na região transmontana de Barroso, na fronteira entre Vila Real (Portugal) e a Galiza (Espanha), onde em uma igreja próxima foi encontrada uma imagem sua, um deus com um martelo e um falo avantajado, confirmando sua relação com os raios, trovões e tempestade, e seu caráter de deus fertilizador.

Figura encontrada na igreja de Vilar de Perdizes, também chamada de São Miguel, o arcanjo brilhante, próxima ao Monte Larouco.

Reue também foi chamado da planície distante. Na Astúrias e Cantábria de Candamos, o branco, luminoso, aquele que brilha. Mesmo em um hipótese de Candamos ser um deus distinto, de culto asturiano e cantábrio, suas semelhanças com o Reue galego e português, ambos chamados de Júpiter Celta, relacionados à montanhas e ao fenômeno climático das tempestades, raios e trovões, bem como sua ligação folclórica com os nubeiros, nos faz crer que Candamos é mais um epíteto de Reue, assim como Larouco.

Outros epítetos de Reue, Laganitaeco, Anabaraecus e Reumiraegus, para alguns estudiosos, como José María Blázquez, o ligaria as correntes fluviais, alguns chegaram a levantar a hipótese de que seria uma divindade feminina ligada aos rios e guerreira ao mesmo tempo, o que não parece claro que no mesmo território de Nábia houvesse uma outra deusa com as mesmas características.

Por outro lado, Olivares Pedreño nos traz uma possível interpretação para a característica fluvial de Reue, posto que inúmeros devotos foram encontrados nas montanhas, muito mais do que em rios, Reue seria aquele que enche os rios com suas chuvas vinda das montanhas ou mesmo neves dos cumes dessas, o que enche o rio Langanida ou o Reumira.

Com tudo apontado, podemos caracterizar Reue como um deus da fertilidade, da bonança, um deus generoso, pronto a abençoar a todos aqueles que o acolhe em seus lares e são agradecidos aos seus feitos. Também é o deus das tempestades, das nuvens cheias de raios, o barulho estrondoso do seu martelo exige devoção e respeito. Quando ele vem das suas montanhas, de planícies distantes, fertilizando a terra e enchendo rios, no verão, é hora de louvá-lo, de ser grato e respeitoso.

BIBLIOGRAFIA:

ABAD, Rosa Brañas. Entre Mitos, Ritos e Santuarios. Los Dioses Galaico-Lusitanos. In: Los Pueblos de la Galicia Céltica. Org. GARCÍA, F.J González. Akal Universitaria. Madrid: 2007.

CABRERO, J. C. Alvarez. Mitología Asturiana. Editora Pata Negra. Oviedo: 2016.

PEDREÑO, Juan Carlos Olivares. Los Dioses de la Hispania Celtica. Real Academia de la Historia. Universidad de Alicante: 2016.

‐--------------------- Divindades Indigenas de la Hispania Romana. Tesis Doctoral Universidad de Alicante.

RODRÍGUEZ, Martín Sevilla. Posibles Vestigios Toponímicos de Cultos Célticos en el Norte de la Península Ibérica in: Memorias de historia antigua Nº 3, págs. 261-271. Alicante: 1979

Sites:

http://www.elcaminencantau.com/

https://verasturies.com/ast/seres-magicos-de-la-mitologia-asturiana/

http://narradoresdelmisterio.net/seres-mitologicos-gallegos-el-nubeiro

https://astures.es/mitologia-asturiana-el-nuberu/


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Sacerdócio a Deusa Nábia



Esse texto tem como objetivo trazer um trabalho pessoal, que tenho desenvolvido para a Deusa Nábia, deusa celta galaico-lusitana, tida como uma deusa polifuncional, ela ocupou os três reinos celtas, os das águas, terra e céu, em cada um desses reinos, ela aparece com características distintas, que serão abordadas, aqui, discutindo as percepções de devoção e de desenvolvimento espiritual que Nábia nos traz. Portanto, esse texto não tem a intenção de ser um texto acadêmico, mas sim devocional.

Como é uma divindade que conhecemos apenas por achados arqueológicos e folclóricos, busquei por meios meditativos e de experiências vivenciais um meio de estreitar os laços com ela. E junto nesse texto essas inspirações com o conhecimento teórico para que se mostre à comunidade druídica a minha forma de ver e trabalhar com Nábia.

Reino d’Águas:

Começaremos pelo reino d’águas por partir do princípio druídico de cura a si, cura a comunidade e cura ao mundo. Vemos o reino d’águas como o reino das emoções e do inconsciente, como também do eterno ciclo de vida, morte e renascimento, então, ao passar por esse reino, estamos buscando a cura de nós mesmos, a cura pessoal, que se faz extremamente importante para poder partir para as demais.

No reino d’águas, Nábia é a psicopompo, é a guia das almas para o outro mundo, seja esse o mundo dos mortos, quando terminarmos essa jornada um dia, ou o mundo dos espíritos, e do nosso inconsciente, portanto, crenças e valores. Outra característica da deusa aqui, é como mãe nutridora da terra, nutridora das almas. Guia dos mistérios do nosso interior e do não-visível. Ela é o ventre da vida e o acolhimento da morte, o começo e o fim.

A comprovação de Nábia como deusa dos rios se dá por vários rios com seu nome na Península Ibérica, desde Portugal ao noroeste espanhol, entre eles: Rio Navia, Neiva, Nabão. O seu nome nos levou a prováveis palavras como navegar e navio. Sua imagem também aparece na fonte dos ídolos em Braga, Portugal. E na figura folclórica das janas, seres mitológicos, ligados às fontes de águas, uma espécie de ninfa, com poderes mágicos e de desafio aos homens, com forte conotações ao princípio de soberania celta.

Durante já o período cristão, o culto às águas e às janas se mantiveram firmes, mas com o tempo o culto delas ganharam o folclore ibérico e Nábia, os altares católicos, como santa. Em Portugal, na figura de Santa Irina de Tomar, a ocupação do rio Nabão pela lenda da santa nos dá forte indicação disso. Enquanto na Espanha a figura de Santa Marina de Águas Santas, ocupando lugares que antes foram dedicados a cultos a Nábia, e da Virgem da Lanzada com o rito de fertilidade das noves ondas na praia da Lanzada, isso nos mostra a sobrevivência contida e arma de dominação cristã da deusa. Lembrando que várias árias dedicadas a Nábia foram encontradas em templos cristãos, hoje dedicados à Virgem.

Ao mergulhar no reino d’águas, temos que estar aberto a descobrir quem somos de verdade, e isso pode demorar anos, como também não é nem um pouco fácil, lá pode se encontrar muitas dores, medos e sombras, contudo também muitas partes luminosas.

Para começar, dedique um momento do seu dia em uma meditação com Nábia, as primeiras tentativas podem ser falhas, afinal, é uma apresentação, e como uma deusa dos mistérios, as portas não estarão prontamente abertas, então dedique uma oração, faça uma oferenda de vinho, pão, poesia, dança, o que achar melhor, se mostre digno de alcançar o seu reino. Depois tenha seu propósito claro, de saber quem você é, o que te leva a essa descoberta no reino de Nábia, que talentos busca.

Ao encontrar Nábia em seu reino d’águas muitos questionamentos surgirão, porque é a busca da autenticidade, viemos ao mundo com uma pulsão tremenda de sermos, de desenvolvermos as nossas potencialidades, mas a família, a cultura, a sociedade foram nos moldados, tanto para o bem, como para o mal, tanto para a alegria, como para as dores. Adentrando no seu reino não caberá mais sermos quem não somos. Questionaremos nossos gostos, inclusive de comidas, bebidas, estilos e culturais. Questionaremos os nossos medos, quais são suas raízes, o que nos levou a eles, os nossos padrões mentais, as certezas rígidas sobre nós e o mundo. E se precisa muito que essas questões cheguem. A soberania aqui em forma de autenticidade é o que Nábia oferece nesse reino.

No mito das janas, em sua maioria das vezes, ela chegou ao seu limite e ela mergulha nas águas, e, quando ela volta de lá, não volta mais a mesma, volta modificada, com poder sobre sua vida e defesa de tudo que se é. Então nessa viagem às águas, Nábia estará disposta a nos ensinar isso, como se defender dos outros, e muitas vezes de nós mesmos. Ela, muitas vezes, durante a jornada, colocar-nos-á desafios, tanto nas meditações, como no plano material, para que reafirmamos quem somos, aparecerão decisões a serem tomadas, e tem de se pensar muito nelas antes de o fazer.

O tempo de experiência nas águas podem durar por meses, é importante repetir as meditações várias e várias vezes, isso falando de uma forma inicial, porque essa recuperação de quem somos, da nossa autenticidade soberana, provavelmente durará a vida inteira. E se escolhemos Nábia para nos ajudar nessa jornada, ela nos acompanhará, ela nos nutrirá em seu reino, ela nos dará as respostas, tem a real intenção de nos tornar em seres melhores, não apenas para nós, como para o mundo. Nábia nos dará presentes espirituais, simbólicos, potencializará os nossos dons e nos ajudará a reencontrar a nossa missão nessa vivência curta e terrena, e, um dia, mergulharemos nas suas águas para uma nova jornada no outro mundo e renasceremos novamente, no eterno ciclo.

Reino da Terra:

No reino da terra, Nábia se apresenta de duas maneiras, como o espírito selvagem da natureza, da ressurreição da primavera, do que há de pulsante no mundo, mas também ela aparece como a sentinela, a guardiã da tribo, ela é a guerreira que protege os seus, é a força da soberania na terra.

O seu nome foi encontrado em vários castros, que são construções de pedras arredondadas, dos povos da antiga Callécia, são vilas cercadas e construídas nas partes superiores, como modo de proteção. Nábia não aparece como uma deusa protetora de lares, mas sim de um povo, ela não está na chama da lareira ou na água do poço, ela está na entrada dos castros, com suas armas o protegendo, barrando qualquer invasão.

Como espírito selvagem da natureza e sua ligação com a ressurreição da primavera, temos, primeiramente, os apontamentos de Melena, que a compara com a deusa romana Diana, bem como na fonte dos ídolos a sua figura recebe a cornucópia, símbolo de fertilidade e bonança da terra, e por último uma ária de Marreco nos trouxe o 5 de abril, como uma data para sua celebração, o que a liga claramente a Primavera.

Dentro do folclore, Nábia se aproxima tanto das janas, as fadas d’águas, como das moiras, que seriam as fadas dos montes e dolmens funerários, esse ser encantado, aparece tanto na forma de jovem, quanto velha, como símbolo de vida, como de morte, isso nos mostra, uma possível troca de estações entre duas deusas na Península Ibérica, a deusa mãe Cale, associada mais ao outono e inverno e a deusa Nábia à primavera e verão.

 Entrar no reino da terra de Nábia é como se fôssemos uma jana que se encanta no fundo das suas águas, para conhecer os seus poderes, seus dons e talentos, e voltássemos pisando na terra, reconhecendo, claramente, quem somos.

O reino da terra é o reino da tribo, daqueles que nos relacionamos todos os dias, nossa família, amigos, colegas de trabalho e companheiros de espiritualidade. É o reino da ação, enquanto o das águas era da emoção, é aqui que se tece a nossa relação com o outro e essa relação pode ser de cura ou adoecimento.

Desse modo, o nosso contanto com Nábia nessa fase será de cura à tribo, e essa cura não é apenas de nós para com os outros, mas dos outros conosco. A intenção é que saibamos quem somos, como defender o nosso território, que vejamos o que tem sido destrutivo dentro das nossas relações com o outro, quais são os padrões sociais e familiares que destrói e invadem os territórios, para assim construirmos novos, que os protejam e reconstruam.

Nesse momento, temos que descobrir o que não estamos dispostos a ceder de quem somos, para mantermos a nossa autenticidade soberana preservada, o que eu tenho que dizer não, para não ser invadido ou ocupado, qual é o meu tesouro que não posso ceder, pois ele é o que me faz florir, crescer e pulsar, é a minha primavera. Quais tipos de pessoas não quero ter no meu mundo de relações mais profundas.

Essa figura de autenticidade, soberania plena, cura às relações, faz o outro buscar quem ele também é, traz bálsamo e florescimento. Nábia ajuda a proteger ao seu território e o território do outro, para que desse modo se floresça, se cresça, abunde. Esse conhecimento é uma forma de respeito às vidas com quem nos relacionamos, pois ao não deixarmos ser invadidos, também não invadimos. Ao rompermos padrões que não são nossos, que fomos ensinados, sanamos as nossas relações.

Então nesse momento, adentremos ao mundo da guerreira, sentinela, e pulsão e florescimento da primavera de Nábia, pedindo que ela nos mostre os padrões nocivos que viemos reproduzindo, que destrói a nós e ao outro, o que temos deixado nos invadir e como temos invadido o outro, quais são nossos tesouros inegociáveis, que temos deixado por tanto tempo ser saqueados.

Esteja pronto para encarar os bons e nocivos padrões familiares, esteja pronto para ser desafiado pelo lobo e pela serpente, mas também esteja preparado para descobrir muitos talentos que você não tem enxergado, muitos elementos brilhantes que carrega dentro de si e foi esquecido ou suplantado alguma vez na vida. É o momento de guerrear por si e de florescer, é o momento de expulsar os inimigos internos que tem sufocado, coberto a luz que traz a primavera, que faz as relações pulsarem e nascerem.

Reino dos Céus:

Agora que já caminhamos pelo reino d’águas e da terra, chegamos ao último reino, o dos céus, nesse reino Nábia aparece como a elevada, a rainha coroada, aquele que carrega os mistérios dos ciclos lunares e dos altos montes da Península Ibérica.

Devotos a Nábia foram encontrados em diversos montes e serras, como, provavelmente, a da Serra da Marofa, Portugal, com epíteto de Corona, em outras palavras, a coroada, portanto a rainha. Como já falado, há uma possível aproximação de Nábia com as moiras encantadas, mesmo que essas se relacionem muito mais com a deusa mãe Cale; durante um processo de assimilação cultural e religiosa, deusas e deuses foram se misturando dentro do folclore, portanto um ser encantado pode trazer características e relações com mais de um ser divino, o que nos cabe como estudiosos e devotos dos antigos deuses, é tentar retirar os véus e olhar o caminho. Dito isto, as moiras são chamadas de princesas e rainhas, por terem seus castelos no interior dos altos picos, enquanto Nábia habita o alto desses, o que, talvez, nos mostre mais uma vez, a sua possível troca de estação com a Deusa Cale.

Na fonte dos ídolos, Nábia aparece ligada ao crescente lunar e ao deus Reue, o deus celeste, cavalgador das nuvens, senhor da fertilidade e lançador de raios, trovões e chuvas abundantes. Sua ligação com a lua nos leva ao mistério da magia e a governança do céu noturno, agora mais do que o rio que corre, Nábia guia os ciclos das águas, o seu encher e esvaziar, o ciclo menstrual que dar vida a Humanidade. Ela já não é apenas o rio, ela é o todo, o mistério insondável. Ela está em toda a fonte da vida. E se ela, realmente, formar um casal celeste com Reue, vemos a união de todo o poder celeste.

O reino celeste é o reino da elevação, da sabedoria, dos mistérios divinos, é de onde se começou a vida naquela primeira explosão, é de onde se brota a primeira nota da Grande Canção, enquanto nas águas caminhamos pelas emoções, na terra pelas ações, nos céus caminharemos pelos grandes sentimentos e virtudes, que se aproximam da linda sinfonia que cria e recria o mundo, portanto cura ou adoece este, dependendo das notas tocadas.

Nesse reino, Nábia nos trará a magia e os mistérios de encher e se esvaziar, de olhar do alto, de se elevar, de entender os ciclos, as medidas necessárias. Mas de que magia estamos falando? De caldeirões e poções? Não, falamos da magia que nos liga ao todo, aquele mistério que temos que descobrir, que nasceu conosco, qual é a nosso caminho no mundo, quais são as notas que nascemos para entoar na melodia da Grande Canção, e como a Grande Canção também ressoa em nós. Cada vez que nos afastamos disso, cada vez que não tocamos as notas necessárias, adoecemos a nós e ao mundo.

Como seres cósmicos, filhos do Universo, estamos todos interconectados pela explosão que nos deu vida, como exemplos das árvores que respiram e se curam unidas em uma floresta, assim são todos os seres que habitam a Terra, tal conhecimento foi esquecido, esse é o mistério a ser revelado no contato com Nábia em seu reino elevado. É o momento de recordar os grandes sentimentos, os sentimentos que harmonizam o bem comum de todos os seres do planeta que habitamos.

Então nesse momento tenha o propósito de deixar que Nábia mostre a sua magia, deixe ela movimentar suas águas, permita que ela te mostre o caminho da sua missão como andarilho da Terra, que te ensine quais sentimentos devem guiar a sua existência para que lindas notas ressoem, e, principalmente, como viver esses sentimentos de maneira plena em comunhão com o outro.

Nábia ao ser convidada, reverenciada e honrada, entrará na nossa vida como um rio fértil, com uma pulsão forte pela vida, com uma necessidade de curar, transformar e florir a nós, os nossos e o mundo. Somos a canção do universo manifesta na Terra, se escolher Nábia como sua regente, não terá outra escolha a não ser mergulhar profundamente no todo, no mistério do ciclo eterno, no florir, morrer, renascer e crescer.

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