Depois de muito tempo sem escrever nada, retomo os textos do blog com uma deusa dos Vetões, tribo de origem celta que ocupou a região de Castela e Leão, na Espanha, e Trás-Os-Montes e Beira Interior, Portugal. Os Vetões ficaram muito conhecidos pelos berrões, esculturas de animais feitas em tamanhos reais que têm bons exemplos na região transmontana; sobre elas pairam muitas dúvidas e levantam-se a hipótese de ali ter havido um culto zoomorfo, porém isso é assunto para outro texto.
Se sobre os deuses galaícos e lusitanos temos poucos registros, ao falarmos de deuses vetões os registros são menores ainda. Sendo assim o que temos sobre a deusa em questão são diversas aras encontradas em vários lugares da Península, com quantidade significativa na área vetã. As aras já são de um momento pós-romano na região, deste modo comportando as suas devoções e anexações dos deuses locais ao seu culto.
Começamos pelo significado do seu nome, o qual traz, em si, a união provável de duas línguas: vasco e celta, o que não é de se estranhar, uma vez que os grupos étnicos próximos não viviam isolados um dos outros e muitas vezes cultura e língua se misturaram.
Ilur – Vasco – Ili – Cidade/Vila; ou de Ilurri – Espinheiro; ou Lur – Terra (Para mim o último é o mais considerado).
Beda – Bedo – Celta – Mina, Pedreira, Cova ou Vala. / Proto-indo-europeu. B’ed – Escavar.
A afirmação de ser uma deusa celta, não vasca ou ibera, se dá pelo fato de seu culto estar em grande parte na região vetã, especialmente em Salamanca, onde foi o local que os arqueólogos mais encontram aras, e nelas muitos dedicantes com nomes vetões, como “Reburrus”.
Contudo, o culto à Ilurbeda se espalhou por Coimbra e Sintra, graças às migrações por conta da mineração, e assim começamos a entrar na identidade da deusa abordada.
Ilurbeda é uma deusa de devoção daqueles que trabalham nas minas. Além do significado etimológico nos levar a essa conclusão, os achados arqueológicos também nos fazem a entender o mesmo. As devoções eram deixadas nesses locais, bem como ferramentas mineiras de ferro eram entregues em devoção à Ilurbeda. Contudo Ilurbeda não é uma ferreira como Bríghid, ela está relacionada ao trabalho duro das minas e das pedreiras. Ela é aquela que ajuda escavar, a chegar ao fundo, a encontrar os metais.
Entretanto, Ilurbeda não se limitou apenas ao culto das minas. Muitas evidências nos levam a crer que ela também é senhora dos caminhos e dos viajantes que precisam passar por montanhas tortuosas. Em Narros de Puerto, Ávila, foi encontrado na Igreja de Nuestra Señora de la Asunçión, um antigo santuário romano, onde em duas aras ela aparece citada junto aos Lares Viales. Isso por si só não seria evidência suficiente, porém muitas devoções foram encontradas nos caminhos das montanhas, fato que pode ter ocorrido devido a jornada difícil da migração, o que faria com que os mineiros acabassem dando-lhe também essa função, da salvaguarda das suas jornadas, das viagens daqueles que migram, aquelas que são difíceis e de caminhos tortuosos.
A maioria dos dedicantes do Druidismo não é, hoje, trabalhador de minas ou pedreiras, porém não somos tantas outras coisas que o homem da antiguidade foi, e nem por esse motivo deixamos de cultuar os deuses antigos, relacionados às profissões antigas. Deste modo, Ilurbeda pode ser a nossa guia a descobrir os nossos talentos escondidos, aqueles que precisamos cavar profundamente para encontrar. Ela pode ajudar a encontrar os nossos tesouros, os dos outros, e até mesmo do nosso mundo. Ela pode auxiliar-nos em momentos difíceis, em que os caminhos parecem muito complicados de passar. Como também pode nos ajudar a superar as mudanças, as migrações forçadas, o ter que deixar a nossa terra por outra, seja o tal no âmbito físico ou espiritual.
E se pudéssemos colocar Ilurbeda dentro da roda dos festivais, para comemorarmos em comunidade, em que momento seria? Ter certezas sobre os deuses celtas da Península Ibérica raramente é possível. Partimos muito mais de intuição e análise de suas características, pois não temos registros dos momentos de celebração da maioria, salvo algumas exceções. Então, postos tais esclarecimentos, eu a celebraria no festival da colheita, no Lughnasadh, por estar relacionado ao comércio, às trocas, e Ilurbeda, com suas minas e guardiã dos viajantes, está relacionada também a isso, além de ela preparar as minas, como Tailtiu preparou a terra para a plantação. Ilurbeda é a terra que deu as ferramentas para os homens, como Tailtiu deu o alimento, logo é momento de lhe agradecer pelo feito.
Bibliografia:
BARRANCOS, José Luís Gamalho & SOBRINO, Maria dela Rosário Hernando - Un Santuário Romano en Narros del Puerto, Ávila (Conventus Emeritensis) in: Ficheiro Epigráfico (Suplemento de Conimbriga) - pág 336 a 346. Coimbra: 2004.
CAMPOS, Ricardo - Ilurbeda, a Ara de Faião (Sintra, Portugal) in: Revista Palaeohispanica 18 - pág 25 a 40. Zaragoza: 2018.
PEDREÑO, Juan Carlos Olivares - Teónimos y pueblos indígenas hispanos: los "Vettones" in: Iberia: Revista de la Antigüedad 4, pág - 57 a 70. La Rioja: 2001.
SOBRINO, Maria dela Rosário Hernando - A Propósito del Teónimo Ilurbeda. Hipóteses de Trabajo in: Revista Veleia, 21, pág - 164 a 205. País Vasco: 2005.